Três meses depois

 Família, para quem nunca teve uma, é um tesouro que não se pode descrever. Agora eu tenho primas, um tio que insiste em aparecer sempre que pode, e até uma sobrinha encantadora. Descobri que meu tio é realmente muito rico — Joe e eu quase nos perdemos no jardim da casa dele — mas, para minha surpresa, ele é uma das pessoas mais humildes e generosas que já conheci. Isso me fez imaginar como seria minha mãe… talvez tão doce quanto ele.

Minha tia Madeline é simplesmente deslumbrante. Sua pele negra parece reluzir como porcelana viva, e sua elegância faz parecer que saiu de uma capa de revista. Ela é artista, fotógrafa e pintora. E, além de tudo, é divertida. Os meus primos me acolheram com carinho. Pela primeira vez, senti o que é estar cercada por afeto genuíno, sem pressa, sem julgamentos. Só… presença.

— Que bom que você veio! — disse Madeline, sorrindo. — Imagine o tédio dessas festas sem você. Meus filhos se recusam a aparecer, e como esposa fiel, eu acompanho meu marido. Mas agora, com você aqui… ah, tudo fica mais leve. E o seu namorado parece ter se enturmado bem.

— Na verdade, tia Mad, nós dois trabalhamos com negócios — respondi. — Mas esse tipo de evento não é exatamente minha praia, então Joe se adapta melhor.

Ela segurou minha mão com firmeza e disse:

— Querida, por favor, me chame de "tia". Sempre quis ter uma sobrinha. Ser filha única tem suas vantagens, mas me faltava isso.

Rimos.

— E com o que a senhora trabalha?

— Arte. Minhas exposições já rodaram o mundo. Conheci Ben, seu tio, em uma delas. Ele diz que se apaixonou à primeira vista. Eu, claro, achei que fosse só mais um esnobe de gravata cara. Mas olha só, aqui estamos… casados há 21 anos.

— Nossa… isso é incrível. Espero ter um casamento assim um dia.

Ela olhou para mim com olhos brilhantes e disse:

— Você terá. Dá para ver nos olhos dele. Quando Joe te olha, é como se o resto do mundo deixasse de existir. Isso é raro. Valorize.

Fiquei vermelha. Ela riu com ternura.

— Não se envergonhe. Sinta orgulho. O que você tem é para poucas.

— Estão falando de mim? — disse Joe, sorrindo, chegando por trás.

— Ah, querido, o mundo não gira ao seu redor, não é mesmo, Lys?

— Com certeza gira — respondi, rindo.

Joe pegou minha mão e me girou devagar. Todos riram. Estávamos felizes. Pela primeira vez, genuinamente felizes. E eu me permiti sonhar.

— O meu mundo gira — ele sussurrou, me puxando para perto.

Mas minha bexiga disse que era hora de uma pausa. Pedi licença e fui procurar um banheiro.

Felicidade é como um pássaro raro em uma gaiola cercada de crianças curiosas — basta um descuido e ele escapa.

Minha última lembrança clara foi sair do banheiro. A próxima é confusa, quase distorcida: uma luta breve, um braço forte me puxando, minha mente tentando resistir… depois, o escuro.

Agora estou aqui. Em um quarto úmido, com cheiro de mofo. Uma lâmpada pendurada no teto balança lentamente. Meus braços e pernas estão presos. Tento me mexer, mas não consigo. O pânico ameaça subir pela minha garganta, mas algo mais forte me obriga a pensar: como vim parar aqui? Onde está todo mundo?

Estou sozinha. Assustada. Com sede. Com frio. Meus pulsos doem com as amarras. Vejo uma janela, mas está muito alta. A luz do dia atravessa as frestas, e percebo que já se passaram muitas horas.

Por quê?
Não fiz mal a ninguém. Eu estava feliz.

Joe deve estar desesperado. Meus tios… será que já estão me procurando?

Minha garganta está seca de medo. E tudo que posso fazer agora… é esperar.

Mas quanto mais o tempo passa, mais difícil é não entrar em pânico.

E mesmo assim, mesmo amarrada, perdida e sem respostas, repito mentalmente as palavras de Joe, como um escudo invisível:
"O meu mundo gira em torno de você."

Talvez isso seja suficiente para me manter forte. Por agora.

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