Reencontros e Recomeços


Dirijo até a clínica, dividida entre seguir adiante ou dar meia-volta. Parte de mim quer fugir. Mas talvez... talvez eu precise disso de novo.

A entrada é bonita, acolhedora. Um jardim imenso contorna os caminhos de pedra, e há espaços abertos para meditação e leitura. As três clínicas conjugadas já me receberam antes — todas elas. A Dra. Carmen cuidou dos pontos na minha cabeça e da reabilitação física depois da queda, cinco meses antes da morte do meu pai. Naquele dia, eu não escorreguei por acaso. Havia um vazio dentro de mim que me fez perder o chão, e meu corpo apenas seguiu o impulso da alma cansada.

Ela me ajudou de novo, três meses atrás, quando capotei o carro. Dessa vez, a dor era outra. Eu não queria sumir. Só precisava que o barulho dentro de mim cessasse. Queria ser feliz, mas não sabia como calar o que gritava em silêncio.

O acidente foi relativamente grave. Fiquei em coma por dois meses. Fraturei as costelas, tive escoriações... mas talvez a maior fratura tenha sido na mente. Ainda assim, me recuperei mais rápido do que da outra vez. No primeiro acidente — ou melhor, na primeira queda — meu corpo reagiu depressa. Em trinta dias fora do hospital, eu já podia até correr, mesmo que os médicos não recomendassem. Mas a alma... essa levou bem mais tempo.

E é por isso que estou aqui agora. Mais do que tudo, é ela quem me chama de volta: minha médica, Dra. Victoria, minha psiquiatra. Foi ela quem me ajudou quando a dor se vestiu de normalidade — na fase mais silenciosa da depressão, a tal depressão mascarada. Passei meses em tratamento, até que suspendemos a medicação. E agora... agora eu preciso dela de novo.

— Lilly, a Dra. Victoria está te esperando — diz Deise, com aquele sorriso gentil de sempre.

Retribuo com um sorriso e caminho até a sala. É um lugar familiar, com os mesmos quadros, a mesma vista para a fonte no centro do gramado. Faz um mês que não nos vemos, mas ela continua igual: impecavelmente vestida, sorriso doce e sincero. O cheiro leve de rosas com canela ainda está ali, tão reconfortante quanto antes.

— Lys! Que bom te ver novamente. Você está muito bonita, como sempre.

— Se importa se eu disser que talvez eu não esteja feliz em estar aqui?

— Claro que não, querida. Aqui é o lugar onde você pode dizer tudo o que sente. Prefere conversar lá fora ou aqui?

— Aqui mesmo, pode ser.

— Sente-se. Soube que vai abrir um restaurante. Quero muito conhecer quando inaugurar, me avise.

— Aviso, sim.

— Cortou o cabelo?

— Cortei. Queria parecer diferente.

— A aparência antiga não agradava?

— Ela me lembrava demais... a menina de antes.

Ela me encara, com aquele olhar que sempre sabe onde tocar. É assim com ela — perguntas certas, sem rodeios.

— E a menina que vejo agora... quem é?

— Não sei. Talvez uma mistura das duas. Eu... eu preciso me encontrar. Só não sei onde procurar.

— Tem certeza de que está procurando nos lugares certos?

— A verdade é que nem sei onde estou. Não sei o que fazer, e parece que tudo vem como uma pancada atrás da outra. Eu só queria... entender. Saber o que estou fazendo da vida. Porque, sinceramente, eu não sei. E nesse meio tempo... eu me perdi.

— O que você gosta de fazer, Lys?

— Mas o que isso tem a ver com tudo isso?

— Nem tudo o que você quer que eu diga, eu posso dizer. Estou tentando te guiar até o lugar certo, mas quem vai tomar as decisões é você. E mais importante: você precisa aprender a viver. Não precisa de remédios agora. Precisa parar de seguir os padrões que você mesma impôs como sendo o que é felicidade. Não existe um modelo. Cada um é feliz à sua maneira.

— Mas... e se eu não souber qual é a minha?

— Do que você gosta?

— De cantar. Tocar. Dançar.

— E da ideia do restaurante?

— Eu gosto. Mas também me apavora. E se tudo der errado?

— Então cante, toque, dance. E administre o restaurante com os critérios certos. Mas não se cobre tanto. Todos nós erramos. Você não é a única. Tem se permitido errar?

— Não...

— Então está na hora de começar. Se quiser, pode vir aqui e vamos fazer isso juntas. Ou pode fazer isso com seus amigos. Mas quero que faça. Certo?

— Certo. Obrigada, Dra. Victoria.

— Pode me chamar de Vick. Já conversamos sobre isso, lembra?

Quando saio do consultório, sinto o peso nos ombros um pouco mais leve. Quero mesmo tentar. Me esforçar para ser feliz.

Vou direto ao restaurante. Faltam apenas alguns retoques antes da inauguração. Meu estômago ronca e lembro que deveria ter comido — mas, como sempre, esqueci. Ao chegar, vejo a papelada sobre a mesa: a gerente — meu braço direito — já deixou quase tudo pronto. Podemos até abrir antes do previsto.

A vistoria dos bombeiros foi feita. O fiscal já deu o selo de aprovação. O alvará está em mãos. Sinto uma ansiedade gostosa, como uma faísca de esperança.

Confiro os últimos documentos e, quando desço, percebo que todos já foram embora. Estou sozinha. Olho ao redor, aquele lugar que logo será meu restaurante. Está perfeito. A parte interna já está pronta, limpa. Só falta organizar o lado de fora e receber os uniformes.

Silvia cuidou de quase tudo. Ela merece um agradecimento especial por ser tão caprichosa e dedicada. Graças a ela, tudo parece... impecável.

E, pela primeira vez em muito tempo, penso: Talvez eu consiga. Talvez eu também mereça dar certo.

A caminho de casa, paro e compro um cachorro-quente. Não sei se é fome ou se é mesmo o melhor que já comi na vida. Só quero esquecer o dia de hoje e me jogar na cama.

— Olha só quem resolveu dar o ar da graça... — diz minha tia, com desprezo na voz. — São 19h35. A vadiazinha esqueceu de voltar pra casa?

Solto um gemido mental. Quem diria que alguém conseguiria ser tão tóxica.

— Marta, a que devo a honra? — respondo, tentando soar sarcástica.

— Precisei vir até aqui pra descobrir que você, criatura desprezível, já está usufruindo da herança do meu irmão. Quando pensou em me avisar? Porque, fique sabendo, eu não vou deixar você ficar com um centavo sequer do que era dele.

— Marta, da última vez que tentou isso, o juiz sequer considerou seus argumentos. Meus pais me deixaram uma herança, e é com ela que eu vivo. Se ele não te deixou nada... sinto muito.

— Sente? Você vai é se arrepender. Eu tenho provas contra você! Nem filha dele você era. Uma interesseira qualquer. A justiça será feita!

Se fosse possível, tenho certeza que sairia veneno daquela boca. Nunca entendi o motivo do ódio que ela sente por mim, e não quero uma nova batalha judicial.

— E o que faz você pensar que é diferente de mim? Está aqui por dinheiro também. Nunca tinha te visto até você mandar um procurador à minha casa!

— Não se compare a mim! Você é lixo! Nem devia estar morando aqui! — Ela empina o peito feito um pombo orgulhoso. Com aquele coque impecável e roupas de alfaiataria, parece que nem precisa de dinheiro.

— Vim apenas avisar: entrei com um processo contra você por apropriação indébita da fortuna do meu irmão. E, a propósito, vou adorar administrar o restaurante. Com o meu toque, ele será sofisticado. Algo que você jamais seria capaz de fazer.

— Tudo bem... Se ganhar, aceito seus termos. Até logo, titia. Mas a parte da herança deixada pela minha mãe continua sob minha posse. E, por acaso, o restaurante também é meu.

Ela ri, um riso de escárnio.

— Garota ingênua... Seu pai nunca te disse "não", foi? Mas eu direi. Pra mim, você é só um parasita. Uma pedra no sapato que logo vou arrancar. Você... e sua mãe também.

Sem esperar resposta, ela entra no jeep e vai embora.

Lembro que, no velório do meu pai, ela apareceu. Tentou me visitar no hospital também, mas não deixaram. Foi nessa casa que a vi pela primeira vez. E, sinceramente, gostaria de nunca tê-la conhecido.

Ligo para Douglas. Preciso tirar essa dúvida da cabeça. Ele me acalma: é impossível que eu perca a herança do meu pai. O exame de DNA que ela mesma exigiu confirmou que sou filha legítima. Tenho direitos. Mas por que essa mulher apareceu agora? E o resto da família? Minha mãe não tinha ninguém? Há tantas perguntas sem resposta… E ninguém para quem perguntar.

Tomo um banho demorado, preparo algo para comer — passei o dia em jejum — e sigo a recomendação da Dra. Vick: toco um pouco. Não fazia isso desde que Karen foi embora. Ontem voltei a tocar e me senti viva. Talvez esse seja o caminho de volta para mim.

Mais tarde, no telhado, deixo a brisa da noite acariciar meu rosto. Sinto, sem precisar olhar, que ele está aqui. E por mais que eu queira gritar, brigar, perguntar por que me iludiu... ele nunca prometeu nada. Nunca mentiu. Ele só foi ele. E fui eu quem se apaixonou.

— Oi... Não vai falar comigo? — ele pergunta.

Sua voz é tranquila, como sempre. A linha invisível entre nós nunca foi rompida. E por mais que saiba muito de mim, ele segue sendo um enigma.

— Hoje... não foi um bom dia, só isso.

— Quer falar sobre?

Ele me olha com atenção. Isso me destrói. Por que ele faz isso? Demonstra interesse verdadeiro, mas nunca se abre.

— Não. Não quero falar sobre isso. Vamos só... tomar um chá e apreciar a vista.

— Tudo bem, se é o que deseja. Mas… estava pensando em te ouvir cantar.

Quase engasgo com o chá. Isso foi inesperado.

— Hoje não estou bem pra isso. Talvez outro dia… mas não prometo.

Ele assente levemente, um pouco decepcionado. Mas esta noite, não quero interpretar olhares ou gestos. Quero ver as coisas como elas são. Puras.

— Queria que tudo fosse simples pra nós — ele diz, num sussurro. — Nunca quis tanto algo como quero agora.

A parede atrás de mim parece confortável. Tão confortável que adormeço ali mesmo.

Quando abro os olhos, estou na cama. O quarto já banhado pela luz da manhã. Ele me cobriu. Fechou as cortinas. Como minha mãe fazia. Há quanto tempo ninguém fazia algo assim por mim?

No espelho, um bilhete:


Querida Lily,

Você adormeceu no telhado. Por favor, não faça isso de novo. Você poderia ter caído e se machucado.
Não quis te acordar, por isso tomei a liberdade de te pôr na cama.
Sinto muito por invadir sua privacidade.
Ia te contar que estou viajando, mas você dormiu antes.
Preciso resolver algumas questões importantes.
Obrigado por dividir seu refúgio comigo.
E volto a repetir: não durma no telhado.
Não quero voltar e te ver ferida.
Te quero inteira. Te quero perfeita, como você é.

Com carinho,
Joe


Leio o bilhete uma, duas, cinco vezes. Ninguém faz isso. Ninguém deveria.
Mas me sinto feliz. Esperançosa.
Meu coração idiota não vê a ironia.
Um pedaço de papel.
E, ainda assim…
Ele me fez sorrir.


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