Capítulo 1 – Silêncio de Coisas que Morrem

Quando tudo parece vivo, mas dentro de você não há mais nada.

 E no mundo… há vida. E, às vezes, pode não haver também.

Quando estamos expostos às críticas e incertezas que ele impõe, nos sentimos tão pequenos. O medo de errar, de decepcionar, de perder quem amamos... nos paralisa. Tudo pode mudar em um instante — e na minha vida, as mudanças sempre vêm como tempestades. Uma reviravolta sobre outra, uma onda de dor sobre a anterior. Mais dor do que qualquer pessoa deveria ser capaz de suportar.

Houve um tempo em que existiu uma menininha de cabelos castanhos e olhos verdes. Ela fazia tranças, admirava a mãe como se ela fosse feita de luz.
Minha mãe era linda. Longos cabelos loiros que dançavam ao vento, um sorriso leve, quase mágico, que surgia quando ela brincava comigo. Eu me lembro dela no parque, com meu pai, em piqueniques de fim de semana. O amor que ele sentia por ela era tão visível que chegava a doer. Ele a olhava como se o mundo inteiro existisse só para amá-la.

Depois dela, nunca mais vi aquele olhar em ninguém.

Era um sábado, 9 de setembro. Minha mãe saiu de carro para buscar um bolo de chocolate com cerejas para a festa do bairro. Usava um suéter verde, calça jeans Capri e sapatilhas confortáveis — “coisa de mãe moderna”, ela dizia.
Ela me beijou na testa e prometeu voltar logo.
Sorriu.
Deu ré no carro.
E aquele foi o último sorriso que vi.

Depois da morte dela, meu pai… ele não chorou. Não comeu. Não falou.
Ele apenas deixou de existir.
O amor foi enterrado com ela. E, com ele, tudo que importava.

Meu pai fez o melhor que pôde. Nunca vi tanta gente em nossa casa como no velório. Tias, tios, avós… todos estranhos. Eles desapareceram depois. Treze anos se passaram, e nunca mais os vi.

Agora, a cena se repete. Há um tumulto em frente à minha casa. Não consigo me mover. A vizinha tenta assumir meu lugar, porque a filha do velho Sr. Harrison não está mais em casa.
E eu não pertenço a lugar nenhum.
Meu pai morreu.
No dia em que completei 21 anos.
A idade em que, legalmente, sou responsável por mim. Mas como se sobrevive quando não se consegue nem respirar?

Estou sentada no meu Honda, observando as pessoas vestidas de preto no jardim onde, um dia, flores coloridas viviam.
Hoje, elas estão murchas.
Assim como eu.

Talvez, com o tempo, eu encontre meu lugar.
Mas agora, tudo o que sinto é a solidão me abraçando como um lamaçal escuro, me puxando para o fundo de um vazio sem fim.
Não tenho ninguém. E esse pensamento ecoa como um grito ensurdecedor na minha mente.

Estou a um passo do abismo.
E, parte de mim, quer cair.
Quero descobrir se lá no fundo existe paz. Se o silêncio dói menos do que viver.

Liguei o carro. Dirigi. Sem destino.

A ligação chegou:
Meu pai estava no hospital.
Corri para voltar do acampamento onde estava, tentei chegar a tempo.
Mas não deu.
Não foi suficiente.

Desde então, vivo com o "talvez".
Talvez, se eu estivesse em casa…
Talvez, se eu tivesse visto os sinais…
Talvez, ele ainda estivesse vivo.

Mas não tive coragem de entrar.
Não consegui vê-lo. Nem para um último adeus.
Só consigo dirigir. Fugir.
Para qualquer lugar.

Entro na interestadual. O velocímetro sobe. E eu não ligo.
Meu corpo chora por socorro.
Minha vista está embaçada pelas lágrimas que não contive.
O mundo virou um grande nada.

Então vejo a luz.
O som dos pneus, o estalo do impacto, o arranhar do metal, o vidro estilhaçado.
Fecho os olhos.
Sinto o carro mergulhar na água.
Mas o rio está raso.

Tudo gira.
O tempo desacelera.
Como um cristal frágil quebrando à minha frente.

O sono me invade.
E tudo o que era dor, vai embora.
Sinto paz.
E eu quero essa paz.

O silêncio me envolve.
Às vezes, ouço vozes.
Karen. Outras que não reconheço.

O silêncio é mágico. Ele pode te contar, sem palavras, se você está morta ou viva.
E eu… eu sei que ainda estou aqui.
Mas não sei se quero voltar.

Aqui, onde estou agora, há uma estranha tranquilidade.
Onde as lembranças boas se escondem e a dor não alcança.
Talvez eu possa ser feliz aqui.
Talvez aqui, enfim, o medo não me encontre.

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