Continuação
— Ela vai ficar bem? — a voz ecoa suave, mas cheia de ansiedade.
— O corpo dela está estável. Sofreu bastante… é como se estivesse em choque. Acredito que ela pode voltar a qualquer momento. Mas… ela está resistente. Como se não quisesse despertar. — A médica respira fundo. — É quase como se ela estivesse presa em algum lugar entre aqui e o outro lado.
— Já se passaram sessenta dias. As fraturas estão se recompondo, os cortes cicatrizaram… então por que ela não responde?
— Às vezes, não é o corpo que precisa de tempo, mas a alma, a cirurgia correu bem, a fratura craniana está se regenerando, não houve danos permanentes por causa da hemorragia. As costelas quebradas… o tempo se encarrega disso. Mas a mente… essa parece pedir silêncio. Como se a Lily tivesse pedido um intervalo do mundo e talvez… devêssemos respeitar isso.
— Entendo. Obrigada, Dra. Carmen.
Pés se afastam. A porta se fecha.
O silêncio volta, espesso e úmido como neblina.
Então uma voz sussurra, quase engolida pelo ar:
— Lily… você sabe que eu preciso de você. Eu te amo tanto…
Nos meus sonhos, há ecos.
E, entre eles, sempre a voz de Karen.
Não sei onde estou. Há formas difusas, lembranças que escorrem entre meus dedos como areia molhada.
Mas de uma coisa eu sei: ela está aqui.
E, ainda assim, não consigo voltar.
Porque voltar dói.
Porque viver, às vezes dói, mais do que a própria morte.
Mesmo assim, os olhos se abrem. Lentamente.
Vejo o teto branco me encarar, impiedoso.
E ali, ao meu lado, ela dorme. Karen.
A luz da manhã cega por instantes e, antes que eu possa absorver aquilo, volto ao mundo dos sonhos — denso, escuro e seguro.
Ali o tempo não corre. Ele desliza, como seda sobre a pele. Suave. Sem pressa.
Sem exigência.
Sem dor.
Mas o momento chega.
Minutos ou horas depois, não sei.
Desperto.
A claridade me fere os olhos como navalha.
A cabeça pulsa, e o ar me enjoa.
De canto, vejo uma mulher. Enfermeira, talvez. Pele morena, cabelo curto, uniforme verde.
Ela sorri com um calor inesperado.
— Bom dia. Seja bem-vinda… — sua voz é doce como chá quente em dia de febre. — Fico feliz por ver você acordar.
Tento mexer o corpo, mas tudo dói. Cada osso parece se lembrar da dor.
Quero falar… mas minha língua pesa como chumbo.
Olho para ela, confusa, sem conseguir formar palavras.
— Está tudo bem… — ela diz, aproximando-se. — Não se esforce. Só… respire. Estamos felizes por ter você de volta.
Fico ali. Imóvel.
Sentindo a luz atravessar a janela e repousar sobre minha pele, como se o sol quisesse me lembrar que ainda existo.
O tempo aqui tem outro ritmo.
Lento, arrastado.
E pesado.
Tão pesado quanto o mundo que deixei para trás.
Espero por Karen.
Mas ela não vem.
O sol se põe, tingindo tudo de laranja. A noite escorrega pelas paredes.
E mesmo assim, ela não vem.
Os dias passam.
Um depois do outro, como páginas viradas por um vento que não controlo.
E a cada novo amanhecer, percebo o que minha mente insiste em negar:
Ela não virá.
Mas eu a ouvi. Eu sei que sim.
Ela esteve aqui.
E ainda assim…
Aqui, nesta cama de hospital, entre máquinas e sussurros…
Nunca me senti tão sozinha.
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