Silêncio Entre Dois Medos

 

Dizer que estou surpreso é pouco — estou completamente sem palavras. Lily está cantando. Vai tocar também. Mas ela me disse, com aquela naturalidade desconcertante, que não tinha talento nenhum pra isso. Mentira.

No instante em que a vi sentada, com os dedos deslizando pelas cordas e a voz ecoando com doçura e dor, percebi que ela ama a música. Ela canta com o que sente, com tudo que guarda — e tem tanto talento. A canção... era perfeita.

"Do que tenho medo?"

A pergunta vinha do refrão, mas também de mim.

Então, nossos olhares se encontraram. E ali, parado entre os outros convidados, eu soube a resposta.

Eu tenho medo dela.

Medo do que ela desperta em mim. Medo de não estar à altura. Medo do que não posso dar.

No brilho dos olhos de Lily, havia algo além da canção. Havia expectativa. Um pedido silencioso. Mas também havia medo. Como se ela soubesse que estava pedindo demais... ou que eu já não estava mais tão inteiro assim.

E fui covarde. Fugi.

Saí dali sentindo o ar faltar. Precisava respirar. Precisava de espaço. Não é justo com ela, nem comigo. Desde o primeiro dia eu soube: ela era o risco que eu não podia correr.

Mas mesmo sabendo disso, eu me aproximei.

Naquela noite no telhado da casa dela, tudo fazia sentido. O jeito como ela olhava o céu, como se estivesse sempre procurando por algo — ou alguém. Me sentei ao lado e, por um instante, tudo nela respondeu à minha presença. Era involuntário, mas estava ali.

Eu quis estar perto.

Quis sentir o calor leve do corpo dela ao meu lado.

E, perto dela, eu não era um soldado quebrado. Não era um homem fugindo de si. Perto dela, eu voltava a ser só… eu.

E é por isso que me sinto um egoísta agora.

A caminho da saída, os pensamentos me esmagam. Lembro do quanto já estive prestes a desistir — não da vida, mas de mim mesmo. Quis me sentir livre da culpa, da dor, da bagagem que carrego todos os dias.

E Lily... ela também tem as próprias cicatrizes. Não posso sobrecarregá-la com as minhas.

A vida é uma merda às vezes.

Passo pelo bar, peço uma dose de uísque. Bebo de uma vez, como se o álcool pudesse me colocar de volta no meu lugar. Sei que ela está me olhando de longe. Mas evito seus olhos. Não suportaria ver a tristeza ali. E eu… eu não sei lidar com esse sentimento que cresce dentro de mim.

Sou um homem complicado. Talvez, um erro ambulante.

Então, alguém me para abruptamente.

Uma moça de traços orientais segura meu braço com firmeza surpreendente. É pequena, mas seu olhar tem a força de um furacão. Tento me desvencilhar, mas ela não recua — se coloca na minha frente, determinada.

— Vou dizer isso só uma vez — começa, a voz firme. — E espero, de verdade, que seja a última. Se você magoar, mesmo que só um pouquinho, a minha amiga… você vai desejar nunca tê-la conhecido.

Fico em silêncio, confuso. Ela não recua.

— Se veio pra ficar, então fique. Mas, se não veio, desapareça da vida dela. Ela já perdeu gente demais. Não precisa se apegar a mais alguém que vai embora. Espero que tenha entendido… porque eu não pretendo fazer do presídio minha nova casa.

Ela se afasta.

Demoro alguns segundos pra entender o que acabou de acontecer. Mas então reconheço — é a amiga da Lily. Aquela que havia voltado.

Balanço a cabeça, num gesto de respeito. Ela esboça um sorriso breve antes de desaparecer entre os convidados.

E, por mais estranho que pareça, me sinto grato.

Lily tem pessoas que a amam. Que a protegem.

E isso… isso me faz gostar ainda mais dela.

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