Lily - Um Brilho, Um Caos

 

Hoje é um dia que pintei em meus sonhos há muito tempo. Depois de tanto trabalho e um carinho que desaguei em cada detalhe, finalmente vou desdobrar as portas do meu restaurante. O nome, escolhido em coro pela nossa pequena comunidade de paladares, é Savoureux Mélange — uma "mistura saborosa" que espero que encante a todos. Para celebrar essa aurora, armamos uma grande festa, com chefs cujas mãos parecem fazer mágica, petiscos que são pequenas obras de arte e cada cantinho adornado com um cuidado que transborda. A abertura oficial para o público será amanhã, quando as mesas finalmente ganharão vida. Rezo para que tudo dance em perfeita harmonia.

Lilly, pelo amor dos céus! O que você ainda está fazendo aqui? — Karen irrompe pela porta da cozinha, um turbilhão de agitação. — Você é a estrela da noite! Precisa estar deslumbrante e ainda nem voou para casa se arrumar!

— Só estava dando os últimos toques de fada... E não vou me transformar em outra pessoa, Karen. Ainda temos uma hora e meia no relógio da noite.

Vai logo! E, por favor, coloca um vestido pelo menos dessa vez, sim? Para a ocasião!

— Tudo bem, Karen. Só vou aceitar porque hoje é um dia pintado de ouro. Já volto. E você também, trate de se adornar!

Antes que ela se evapore como um raio, algo no polegar esquerdo de Karen captura meu olhar — um brilho discreto, mas que fala alto. Um anel. De noivado. Meu coração faz uma pequena festa por ela, mas a surpresa me abraça. Já desvendo o motivo do silêncio, mas deixarei essa conversa para depois, afinal... amigos tecem seus segredos juntos.

Corro para casa em um redemoinho para me aprontar. Comprei um vestido simples, quase um sussurro, e talvez até ouse um toque de magia na maquiagem. Vamos ver o que os espelhos dirão.

Ao descer as escadas, um calafrio me percorre — a luz da cozinha acesa. Tenho a certeza de que nenhuma lâmpada dançava, exceto a do corredor central. Meu coração pula em meu peito, um pássaro preso. Uma sensação estranha me abraça, quase um pressentimento de névoa.

Entro na sala... e congelo.

Mas que tempestade...

A casa está virada de ponta-cabeça. Itens da cozinha espalhados como folhas ao vento, móveis em ângulos estranhos, vidros em cacos que refletem meu espanto. Meu lar... agora um campo de batalha. O que aconteceu aqui?

Gostou da surpresa, querida sobrinha?

Minha respiração se quebra, um fio de lã rompido. Aquela voz... Não pode ser real.

Martha? O que você está fazendo aqui?

Ela caminha até um vaso e o atira ao chão com uma força que estremece a alma. Depois, sorri. Um sorriso frio, cortante, capaz de congelar o ar.

Ops... caiu. Sabe qual é o problema, Lilly? Você. Você é o epicentro de todo o desarranjo. Você e aquela sua mãe, uma figura que surgiu para estraçalhar minha vida.

Ela ri. Um riso de escárnio que arranha os ouvidos. Seus olhos têm um brilho insano, como um farol perdido na escuridão.

Sua mãe chegou toda certinha e seu pai... claro, caiu de amores por ela. Os pais dele nunca a aceitaram, e ele se afastou de todos. Sabe por quê? Porque sua mãe tinha um pacto com ele: oito anos para se apaixonar. E ela fingiu bem, até decidir voar para longe. Mas eu... eu sempre estive ali, amando-o de verdade. E quando Claire partiu, achei que, enfim, teria uma chance. Mas ele... nunca me amou.

Estou enojada. Em choque. Meu corpo é uma pedra.

Você é patética. Ele nunca poderia te amar porque você é irmã dele!

Não! — ela grita, a voz rasgando o ar. — Não somos irmãos de sangue! Fui morar com eles quando meus pais se foram. Desde então, sempre amei Harrison. Mas Claire... Claire sugou toda a sua luz. E depois o abandonou, como sempre planejou.

Você é doente. Não fale da minha mãe. Vá embora da minha casa agora! Não se aproxime nunca mais ou vai colher o que plantou.

Ela ri. Uma risada que roça a loucura.

Você entrou com uma ação contra mim. Seu advogadozinho tirou o resto que eu tinha. Agora... não me resta mais nada. Sua mãe... aquela maldita... ainda vai me pagar. E você também, sua imprestável.

Ela se vai, deixando para trás apenas a destruição. Fico ali, sozinha, tremendo como uma folha ao vento entre os cacos do que antes era meu lar — e agora é um campo de guerra.

Meus pensamentos estão embaralhados como fios de lã. Ela falou de coisas que eu jamais soube... sobre o casamento dos meus pais, a família da qual ele nunca falou. Só conheci Martha após a morte do meu pai. Eles se foram levando consigo toda a tapeçaria da história.

Por que eu não posso saber de onde vim?

Sem saber o que fazer, ligo para Douglas. Talvez ele seja um farol nessa névoa. Seu pai trabalhou para o meu, e ele também, até a partida de meu pai. Se alguém pode me guiar a respostas, é ele.

Lys, antes de vir pra cá, pedi uma ordem de restrição contra ela. Seu advogado disse que vão arcar com os custos do conserto. — Ele me abraça ao entrar, os braços um porto seguro. A porta ficou destrancada, e ele chegou a tempo de me encontrar encolhida no canto da sala, uma alma ferida.

Douglas é um homem de presença, trinta e poucos anos, cabelos grisalhos que parecem a neve da genética. Pele clara, olhos castanho-chocolate que observam com gentileza. Ele sempre cuidou de mim além do profissional, mais do que qualquer obrigação poderia pedir.

Vou ficar bem. Obrigada. — Me afasto, um pouco incomodada com a proximidade, como um cervo arisco. — Queria te perguntar algumas coisas, mas... deixa pra depois. Só avisa a Karen que não vou mais. Não tenho mais alma para isso. Te nomeio oficialmente anfitrião da noite. Vou dormir. Estou exausta.

Ele me puxa para um segundo abraço, um porto por alguns instantes, e beija o topo da minha cabeça antes de sair. Quando me olha, percebo algo diferente em seu olhar, uma chama que eu não esperava.

Você não sabe o que eu faria para evitar que sofresse. Me ligue, a qualquer hora, se precisar.

Apenas balanço a cabeça. As palavras me fugiram. Não sei o que foi aquilo... mas me senti invadida, como se uma parte de mim tivesse sido tocada. Algo mudou.

Ele vai embora.

Fico apenas eu e os cacos. Amanhã penso no que fazer. Subo para o quarto. O vestido que eu ia usar jaz sobre a cama, um sonho desfeito. Me deito ao lado dele. Martha conseguiu o que queria.

Estragou o meu dia.

E posso dizer com certeza: hoje, amanheci com uma dor que era um nó no peito. Tomo um banho longo, a água lavando as feridas invisíveis. Não quero ver ninguém.

Definitivamente... hoje não.

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