Entre Medos e Sonhos
Quando o medo aperta, gosto do som da música eletrônica ela me envolve, eu corro. Preciso me sentir viva de alguma forma, distrair minha mente da dor que carrego. Hoje em especial, estou nervosa. Depois da conversa com Douglas, descobri que tenho mais dinheiro do que imaginava. Agora posso dar o pontapé inicial em um dos projetos que meu pai e eu sonhamos nas poucas vezes em que ele falava sobre trabalho. Ele queria um restaurante parisiense com várias atrações, algo como ter as quatro estações em um único mês, com quatro tipos de restaurantes em um só ambiente. Uma das propriedades já tem o prédio pronto, e Douglas me explicou que pertencia ao meu avô "ovelha negra". Ele não sabia como gerenciar, então fechou o restaurante. Agora, eu tenho a chance de abrir um negócio. Preciso conciliar isso com a faculdade, mas espero que dê certo, espero mesmo.
Paro um pouco para descansar. Sinto meu peito arder e o fôlego sair rápido, mas é assim que gosto de sentir meu corpo trabalhar, assim consigo sentir a vida pulsar dentro de mim.
— Nosso Deus! — Karen para com as mãos nos joelhos, tentando recuperar o fôlego, e então me encara. — Você está fugindo de quem? Não me diga que roubou alguém! Não podia correr mais devagar?
Sorrio de verdade ao olhar para ela, vermelha e descabelada. Há quanto tempo não a vejo! Karen é uma japonesa baixinha e magra, parece uma boneca de tão perfeita, com os cabelos escuros, longos e lisos. Mas vejo que está um pouco mais cheinha, não muito, mas diferente.
— Karen, que saudades de você! Você está linda como sempre. - Ela me olha claramente desconfiando do que eu disse.
Ela me puxa para um abraço de urso. Como senti falta dela, de tudo o que passamos.
— Aparentemente, tem alguém aqui neste fim de mundo que precisa de uma amiga. Sinto muito pelo seu pai, queria ter vindo para ficar com você, mas não soube a tempo. Acabei vindo agora — ela sorri abertamente, como uma promessa. — Adivinha, Lys? Vou ficar!
— Você voltou para morar aqui de novo?
— Simmm! Bem, ainda estou transferindo algumas coisas, e o Sam precisa arrumar umas coisas.
Fico encarando-a por um tempo. Meu corpo ainda está dolorido do acidente, o que me lembra que ela esteve comigo no hospital. Mas por que ela não mencionou? Ou talvez eu tenha alucinado. Apenas sorrio de volta.
— Sam? O Samuel do último ano que ninguém queria se meter com ele? O valentão?
— Lys, ele nunca foi valentão! E outra, ele era apenas reservado. E sim, esse é meu Sam.
— Estou chocada! Não precisa dessa atitude defensiva. Se gosta dele, então também gosto. Melhor assim?
— Não, gostaria que fosse sincera — ela deixa escapar um olhar triste, mas logo sorri. — Bem, tudo vai dar certo, você vai ver.
Minhas costelas estão queimando. Preciso tomar alguns cuidados ainda com elas e com as cicatrizes que estão se curando. Se o médico soubesse que corro, e ainda em uma velocidade considerável, provavelmente me daria uma bela bronca. Estou feliz que Karen tenha voltado. Nossa amizade começou na praia. Ela veio toda cheia de si e perguntou se eu sabia nadar. Respondi que não, e então ela disse: — Ótimo! Assim podemos construir castelos. — Não entendi qual a relação de nadar com castelos. Ela explicou que não sabia nadar e ninguém brincava com ela, pois todos entravam na água. Se eu não soubesse, obrigatoriamente ficaria brincando com ela.
Descobri depois que ela se mudou para o nosso bairro. Nunca contei a ela que eu fazia natação, mas não gostava da praia; preferia nadar na piscina, pois os riscos eram menores. Fizemos praticamente tudo juntas na infância, e depois ela continuou sendo minha amiga, apesar de eu ser o "patinho feio" e ela a "superstar". Sempre tivemos um bom relacionamento, de amigas confidentes, e acabamos ficando mais próximas com o passar dos anos.
Karen sempre teve as ideias mais malucas que se pode imaginar. Lembro da vez em que Brandon, do terceiro ano, pintou o carro dela. Como vingança, ela invadiu o quarto dele e colocou creme depilatório no shampoo e gel de cabelo. Digamos que não foi bonito o fim da situação, mas nos divertimos muito. Apesar de tudo, ela ficou do meu lado após a morte da minha mãe, sempre me dando motivos para sorrir. O relacionamento com meu pai não era dos melhores, mas minha parceira de vida estava comigo e amenizava toda a dor. Além disso, Yoko e Tamashiro sempre estiveram do meu lado, sendo a família que nunca pude ter. Infelizmente, eles tinham uma conferência médica em Ohio e não puderam estar aqui; vão chegar daqui a algumas semanas.
— Foi visitar seus pais? — Faço menção aos pais dela, e isso a deixa contente.
— Na verdade, passei para vê-los e eles te mandaram um abraço. E já dei a notícia que voltei para ficar. Como você sabe, eles te consideram a segunda filha Nakamura, e querem te ajudar com as mensalidades da faculdade.
De certa forma, eu sabia que os pais de Karen iriam querer me ajudar com os estudos, mas sinto que é por compaixão, embora Yoko sempre diga a importância de ser uma pessoa instruída. Não quero dar tanto trabalho a quem sempre me ajudou.
— Você pode, por favor, dizer alguma coisa?
— Bem… eu não posso aceitar, pelo menos não agora, porque preciso aprender a lidar com as coisas.
— Tudo bem, eu sabia que ia dizer isso, mas não custa tentar, não é mesmo? E você sabe que não precisa lidar com isso sozinha. Você tem pessoas que te amam, só precisa enxergar isso com maior clareza. E não é como se você fosse morrer de fome também, mas é só questão de ajudar quem amamos.
— Então você veio para ficar? — Ela fica pensativa por um tempo. Sei que ela sempre foi meio maluquinha, mas em uma dessas suas loucuras, ela simplesmente foi embora. Todos esperavam que ela voltasse, mas ela só retornou agora, quase dois anos depois. Nos falávamos por telefone, e nem para mim ela revelou onde estava, e me fez prometer que nunca perguntaria nada sobre isso.
— Na verdade, eu e Sam vamos ficar. Queremos fazer alguma coisa que seja significativa em nossas vidas.
— Então é sério… digo, você e Sam?
— Ah, Lily, ele veio no melhor momento! Me ajudou muito e, sem desprezar sua amizade, nunca mesmo, mas ele me ajudou de uma forma que talvez ninguém poderia, e eu o amo tanto por isso. Quem sabe podemos sair e conversar sobre o que anda acontecendo com você e comigo? — ela sorri e respira fundo. — Sei que quer saber para onde fui, o que fiz, mas eu preciso ainda de tempo, você me entende?
— Claro, leve o tempo que precisar. Amigas são para isso, teste de paciência sempre.
— Não se esqueça que te amamos, e pare de se fechar. Não poderá corresponder o amor de outros se não conseguir ver que te amam. — Então ela me abraça de novo. — Nos vemos depois? Tenho umas coisas para resolver, que bom estar de volta.
— Também estou feliz que voltou. Vai lá em casa quando estiver livre.
Então ela volta a correr, e eu a observo. Ela está mais madura. Algo aconteceu, e ela está me poupando, mas de certa forma, estou farta de ser poupada. Todos acreditam que sou frágil demais, ou sei lá, mas preciso da verdade, pelo menos de vez em quando.
Continuo minha caminhada e chego à entrada da minha casa. Vejo, talvez pela primeira vez, como ela realmente é. É uma construção grande com uma pequena varanda e o jardim, que agora está com uma aparência melhor. A grande parede de vidro, se as cortinas ficarem abertas, permite ver a ligação da sala de estar com a sala de jantar, que se conecta com a saída para os fundos. A claridade entra nos cômodos e há uma leve sensação de aconchego, mas o que ninguém percebe nessa construção moderna e elegante, com pisos de porcelanato branco e bancadas de granito, é que ela é fria e vazia. Não tem felicidade aí dentro, bonita, no entanto, melancólica.
Depois de passar o dia todo fazendo vistoria em prédios, cartórios, entrevistas e orçamentos, estou exausta. Não sabia que abrir um negócio era tão cansativo. Douglas tem sido meu braço direito; não sei o que faria sem ele. Retiro os sapatos e o casaco e vou para o meu lugar de refúgio: o telhado. Mas antes, pego um retrato da minha mãe. Fico observando seus traços e sinto falta dela. Fecho os olhos e sinto a brisa suave da noite. As ruas estão silenciosas, os cães latindo ao longe. Abro os olhos e observo o céu noturno. Hoje há poucas estrelas, mas as poucas que brilham são capazes de trazer beleza à escuridão. Aqui, gosto de pensar sobre a vida, mas hoje não quero mais pensar. Só quero apreciar o silêncio, a luz tênue das estrelas, e me sentir um pouco em paz. Na correria do dia a dia, não conseguimos ver beleza em nada, mas ainda assim, somos nós que escolhemos como queremos encarar o mundo e se queremos ver o lado bom ou o lado ruim. Neste exato momento, quero aproveitar o lado bom. Olho para o retrato da minha mãe; ela é tão bonita. Às vezes me esqueço de como é seu rosto, e é como se uma brisa suave fosse levando as lembranças dela. É por isso que gosto de olhar para ela, para que nunca me esqueça de como ela era.
— Fiquei imaginando se você viria hoje. Tem duas semanas que estou com meus avós e todos os dias você vem aqui, mas hoje duvidei seriamente disso.
— O que você faz aqui? E como subiu? — arregalo os olhos. — Meu Deus, você está me espionando?
— Vim admirar a vista. Subi pela grade e não, não estou te espionando, só quis fazer companhia. — Ele me dá uma olhada de soslaio, e eu sorrio.
— E então, você se sentiu no direito de vir aqui?
— Talvez — ele sorri novamente. Ele tinha um jeito de ser gentil mesmo quando não falava nada.
— Gosto daqui. De toda a casa, é o meu lugar preferido. Estranho, não acha?
— Se sentir melhor fora de casa em vez de dentro dela? — ele me encara.
— É, mais ou menos isso.
— Se aqui é o lugar que te deixa em paz, é bom, mesmo que isso signifique que seja no telhado — ele dá de ombros e volta a olhar para o nada. — Aqui ainda é seu lar.
— Quando ela se foi, tudo mudou. Não conseguia me sentir bem em lugar nenhum. Então, certa vez, quando a lua estava grande, aqui ficava iluminado e me pareceu tão aconchegante. Fiz daqui meu lugar de reflexão, talvez, ou só apenas meu esconderijo. Aqui, de certa forma, me confortava, aqui conseguia coragem suficiente para encarar o mundo dia após dia, e aqui consigo ver o quão insignificante somos em relação ao universo, a tudo. — É estranho como alguém desconhecido, que não fala muito, pode fazer com que nos sintamos mais confortáveis do que com alguém supostamente amigo.
— Somos? — ele pergunta com expectativa.
— De certa forma. Se formos observar de perto, o universo é imenso, e o que somos diante dele? Praticamente nada. Ficar remoendo algumas coisas chega a ser patético, mas ainda assim não consigo evitar, embora não possa mudar nada. E aqui consigo não lamentar demais, sabe, simplesmente não me afundar em autopiedade.
— Nunca estabeleci um local de refúgio, igual a você, mas costumo lembrar que tem pessoas que são muito felizes e já sofreram bem mais que eu. — Percebo que, quando ele diz isso, a linha do seu maxilar perfeitamente desenhado estava tensa e os ombros também, uma postura de defesa. Então soube que ele tinha algo muito ruim que estava tentando superar, e de longe era insignificante como ele gostaria que eu pensasse.
— Todos temos luz e sombras, quais são suas sombras? — acabo perguntando, pois, apesar de ser paciente, ainda sou curiosa.
— Por todas as coisas que podia ter feito direito, mas que não fiz, ou por medo, ou sei lá. — Ele dá de ombros, querendo dar pouca importância ao que fala. — Sofro por ser covarde.
— Está sendo duro demais com você mesmo. Todos nós temos medos e demônios pessoais, mas ainda assim é normal. — Sinto medo por ele, e sinto um leve estremecer só de imaginar o que pode destruir a alma de uma pessoa. Embora tenha sofrido muito, não acredito que a humanidade dentro de mim tenha de certa forma morrido.
— Está com frio? Tome, use isto.
— Não, obrigada. É bonito o seu sentido cavalheiresco, mas não posso aceitar.
— Por que não?
— Acredito que ele sempre cava um buraco para tapar outro. Por exemplo, você me dá seu casaco, embora sinta frio também, e tudo isso em função do 'sexo frágil'. Não que eu seja feminista nem nada, mas agora só estou tentando cuidar de mim, eu sozinha.
— Mas o intuito é de deixar a dama sempre protegida, não?
— Sim, mas essa dama em questão está em sua própria casa e, neste caso, posso buscar um casaco para mim, certo?
— Como quiser, mas só para informação: cuidar de si não tem a ver com fazer tudo sozinha, e sim com saber lidar com todos que te ajudam, e não deixar que tomem decisões importantes por você. Mas um pouco de apoio, um ombro amigo faz bem.
— Me lembrarei disso em outra oportunidade, no entanto hoje eu te agradeço. Vou lá em baixo pegar um casaco. — Ele fica pensativo. Não que eu não goste de ajuda, é só que como se aprende a ser independente se sempre há alguém que faz tudo para você? Aproveito e pego chocolate quente. Ao retornar Joe me olha e sorri.
— Creio que gostei de vir ao telhado. Talvez possa correr o risco de cair e quebrar o pescoço por uma boa xícara de...
— Chocolate quente?
— Isso, chocolate quente.
— Talvez seja um convite para você voltar — falei, mas me senti insegura logo em seguida, senti as maçãs do rosto esquentarem, uma das bençãos da noite é que posso me esconder sob a escuridão noturna.
— Com ou sem convite, eu estava pensando em voltar. Aqui parece que as estrelas são mais… não sei, mas bonitas. — Com um olhar de esguelha, ele sorri. — E foi assim que aos poucos nos tornamos amigos.
Depois dessa noite, pareceu natural Joe aparecer na noite seguinte, e depois na outra, e na outra, até se tornar comum dividirmos o telhado. Ele sempre gentil e educado. Às vezes, ele me olhava de uma forma que eu ficava grata por ser noite. Homens bonitos definitivamente deveriam ter defeitos aparentes. Joe tem seus defeitos, defeitos esses que não vemos até que nos apaixonamos, e então, quando se está apaixonado, eles se revelam. Um dos defeitos de Joe é ser bom ouvinte… bem, não parece ser ruim, e algo que nem deveria reclamar. No entanto, é isso: ele é bonito, porque isso não posso negar, e consegue me interpretar melhor que ninguém. Mas a recíproca não é verdadeira, pois não sei nada a respeito dele, pelo menos nada importante. É como se ele me mantivesse à margem de sua vida.
Passamos dois meses desde sua chegada, conversando, vendo filmes, eu dividindo meus sentimentos, até tocar violão. E olha que, desde que Karen havia desaparecido, eu não tocava mais. No entanto, parece que nada disso fez diferença para ele em sentido de confiança. Posso confiar nele, mas ele não pode fazer o mesmo? Então, qual o sentido da amizade por aqui? Apesar de não demonstrar, isso me chateia. E quando ele invadiu meu espaço pessoal, o telhado, ele, pouco a pouco, começou a fazer parte da minha rotina, dos meus pensamentos. Mas não sei dizer se fiz parte dos dele.
— Olá, máquina do trabalho, não para nunca! Desde que comprou isso aqui, não para nem para respirar.
— Oi… é, parece que tinha muito trabalho. E aí, gostou?
— Está brincando? Está ficando incrível! Douglas me disse que você já contratou o pessoal e que vai abrir logo. Posso me candidatar a alguma vaga? — Karen sorri e faz uma careta engraçada. — Srta. Lily, empresária.
Sorrio, porque a única pessoa no mundo que me faz sorrir em momentos tão estranhos na minha vida é ela. — Claro, Kah, estava pensando em te chamar para, sei lá, ajudar a gerenciar isso aqui. Lembra da especialização que fizemos juntas? Vem bem a calhar agora, embora Douglas vá me ajudar com tudo isso até eu pegar o jeito.
— Você jura que está contando com um curso que fizemos há séculos e com duração de apenas uma semana? Só você mesma! Por que não me lembro de nada que foi dito nele? Mas eu topo, o curso de administração está me ensinando muito.
— Que bom! Estou fazendo o último ano, embora, depois da morte do meu pai, eu tenha ganhado uns dias de folga. Mas assim que tirar meu MBA, serei realmente uma empresária. Kah, aquele curso que fizemos juntas, você não se lembra porque ficou o curso todo de conversinha com o Hugh! — olho para ela em tom de brincadeira, mas aparentemente ela não gostou muito, e isso me faz questionar o que aconteceu com ela. Respiro fundo e escondo minha curiosidade. — Estou com medo, Kah. Sou apenas uma menina querendo brincar de adulta, não sei se vou dar conta.
— Com esse otimismo todo, nem Gandhi seria capaz de manter a calma. Você é tão competente quanto qualquer um, e tudo vai dar certo, você vai ver. — O humor dela acabou voltando, aos poucos, mas fico imaginando o que deixou minha amiga desse jeito. — Lys, e lá em cima, como ficou? Pode subir lá?
— Não sei por que pergunta se já está na metade do caminho. Aqui em cima é uma espécie diferente. Lá embaixo, à esquerda, com vista para a praça, eu fiz a moda parisiense. Como tem paralelepípedos e a forma como foi feito, os quatro ambientes têm entradas diferentes, embora acabem no mesmo lugar. Se a pessoa mudar de ideia e ficar para jantar, pode pedir e será servido de acordo com o ambiente escolhido. E aqui em cima tem a parte mais bonita que, com a proteção de vidro temperado grosso, dá para ver a movimentação da cidade enquanto toma um chocolate quente. Fiz este lugar porque ouvi as mulheres reclamando que aqui os lugares não oferecem esse ambiente íntimo de leitura e reflexão. Elas querem apenas um lugar para pensar, nada melhor que isso. Aqui vamos oferecer espaço gratuito com uma linha de produtos para vender de fácil acesso, o que nos leva a crer que, embora ninguém pague para entrar, dificilmente, ao olhar para nossa vitrine de alimentos e diversos cheiros de café e guloseimas, a pessoa sairá sem gastar. Isso está bem relacionado com o movimento econômico. — posso dizer que encontrei uma paixão ou algo que faz sentido para mim.
— Lys, sabe de uma coisa? Você será um sucesso, acredite em mim quando digo isso. E fora que você está ofertando emprego aqui, ou seja, movimento de giro de capital.
— Pensei a mesma coisa, porque aqui é tudo muito centralizado. E fora que, com o treinamento adequado, o serviço sairá de qualidade, e com isso os clientes se sentirão à vontade para voltar. Consequentemente, a cidade toda muda para melhor, pelo menos gosto de pensar assim. Estou fazendo um investimento considerável, por isso estou torcendo para que dê tudo certo.
— Bem, e quando você vai abrir o Palace Palato?
— Pelo amor de Deus, que nome horroroso! Não sei ainda, porque, como pode ver, falta a parte decorativa e as mesas estão para chegar, embora algumas já tenham chegado. A limpeza geral, a cozinha está prontíssima. É uma cozinha central com três chefs e ajudantes, e no setor bar temos um 'rei das bebidas', como ele se denomina. Também temos um chef em sobremesas. Eu não queria toda essa sofisticação, mas Douglas me convenceu. - Ela confere o celular e fica com um olhar vago e sei que visita se encerrou.
— Lys, tenho que resolver umas coisas, mas depois quero saber mais sobre o Douglas. Ele está muito presente em tudo, vai me contar tudo.
— Você é boba! Não há nada para contar, e ele é só o advogado do meu pai que está me ajudando, e sem ele não teria feito nada.
— Sei. Nos falamos depois. — Ela me beija e sorri. Pensando bem, creio que consegui fazer algum progresso durante essas semanas. E depois de rever minhas finanças, o que parecem apenas minutos levam um tempo a mais. Na volta para casa, ao ver o sol da tarde, fico imaginando como será meu futuro, e será que vou ser realmente feliz um dia.
O sentimento de vazio que tenho continua, embora eu tente esconder. Não consigo parar de achar que terei o mesmo fim que meu pai, alguém que não foi forte o suficiente e que desmoronou no primeiro obstáculo da vida.
As ruas parecem movimentadas de uma pequena cidade onde os carros e as pessoas vêm e vão, e não sabemos sobre o que pensam, o que sonham e nem que problemas têm. No entanto, o ciclo do "não me importo com ninguém" continua. É simples como beber água, sorrir e dizer um "olá", mas esse costume acabou há anos, e as pessoas se preocupam com elas mesmas o tempo todo. É por isso que a solidão se abate, porque, apesar do dia esmagador dessas pessoas, elas chegam em casa e terão a família, os amigos que não guardam segredos, e filhos e filhas esperando para abraçar seus pais. E eu? O que tenho? Um espaço não muito luxuoso, no entanto, frio e vazio, exatamente como eu, uma ironia da vida.
Na minha porta, havia um bilhete colado. Olhei discretamente para os lados, procurando por quem o tivesse deixado ali. Assim que vi a caligrafia, reconheci de imediato:
KarenSei que é cedo pra comemorar, mas você me conhece. Odeio esperar pra festejar. Me encontre no Pub Central às 20h.P.S.: Você é linda e maravilhosa, então nem pense em aparecer de calça jeans e tênis. Arrume-se!
Sorri ao ler. Karen sendo… totalmente Karen. E, sinceramente, eu precisava disso. Precisava me distrair um pouco da tristeza, esquecer o peso por algumas horas. Decidi ir.
Me arrumei com mais cuidado. Ao me encarar no espelho, quase não me reconheci. Estava diferente. Talvez um pouco mais madura. Os olhos pareciam mais frios. Senti medo de me tornar amarga, de deixar que a dor moldasse quem sou. Não quero isso. Quero viver, ser feliz — mesmo que eu ainda não saiba como fazer isso. Talvez, com o tempo, eu descubra. Mas hoje… hoje eu só quero sorrir. Me dar esse luxo.
O Pub Central era surpreendentemente elegante. Apesar de lotado, o ambiente ainda mantinha um ar sofisticado. A iluminação em tons esverdeados criava uma aura única. Havia mesas dispostas em vários níveis, com acomodações para grupos e casais. Os estofados escuros, o som agradável ao fundo e… o aroma. Um perfume suave, envolvente.
Uma garçonete me recebeu com um sorriso e me guiou por entre as mesas até onde Karen e Sam estavam sentados.
— Gostou do aroma? — perguntou ela, simpática. — O senhor Durkheim mandou desenvolver um perfume exclusivo pro Pub. Bacana, né?
— Impressionante. Gostei mesmo — respondi, com um sorriso. Ela me lançou um olhar que misturava curiosidade e diversão.
— Clarice — disse, estendendo levemente a mão.
— Obrigada, Clarice. Depois quero saber mais sobre esse perfume maravilhoso.
— O senhor Durkheim detesta lugares apertados, o que é irônico, considerando que tem cinco bares e restaurantes como esse.
— Sério? E… quando posso conhecê-lo?
— De manhã, no escritório. Mas, por favor, não diga que fui eu quem contou.
— Nosso segredo — sorri. — Obrigada mais uma vez, Clarice.
Ela se afastou. Achei genial a ideia do aroma personalizado. Se ele não se importar em me ajudar com meu café, adoraria trazer algo assim pro meu restaurante.
— Sabia, senhorita, que quem te convidou fui eu, não a garçonete? — disse Karen, teatral.
— Eu sei, senhorita Karen ciumenta. Só me encantei com o lugar, só isso. Mas… e aí, se divertiram muito sem mim?
— Nada. Estávamos esperando você pra pedir as bebidas.
— Estou dirigindo. Não bebo, mas aceito uma Coca.
— Lys, você não pode vir a um bar pra tomar Coca-Cola, por favor!
— Mas eu não bebo. Já sair de casa é um grande começo, você não acha? Vou querer uma Coca e fritas — disse, rindo, e me virei para Sam, que permanecia calado — só pra evitar discutir com a Karen. — Bacana aqui… tem até karaokê.
— Também gostei. E tem música ao vivo. A Ka disse que você canta. Vai cantar hoje?
Senti um calafrio subir pela espinha. Aquilo era sério?
— Sam… nem pensar. Eu não canto há anos. Só toquei violão outro dia. E tenho pavor de público. Aqui tá lotado.
— Então só toca. Mas faz alguma coisa. Vamos lá.
— Não prometo nada. Mas… se o palco estiver vazio, talvez eu suba. — Karen bateu palmas animada e se levantou, dizendo que ia pedir as bebidas e as fritas.
— Você sabe que não vai conseguir escapar dela, né? — disse Sam, sorrindo.
— Queria poder dizer que sim… mas, conhecendo a Karen, estou mais que perdida.
— Você vai se sair bem. E, se cantar mal, pelo menos tem amigos que te amam.
Sorri. Aquilo era gentil — e inesperado. Eu e Sam nunca tínhamos sido próximos. Mal trocamos palavras. E, de repente, ele estava ali, sentado com a minha melhor amiga. As coisas mudam mesmo.
Karen voltou toda empolgada:
— Lys, você é a próxima! Dei seu nome lá.
— Se eu for vaiada e jogarem tomates em mim, nunca mais saio de casa. Vou falir e morrer na solidão. E a culpa vai ser sua!
— Drama! Primeiro: ninguém vai jogar tomates, até porque… onde achariam tomates num bar? Segundo: lá no fundo, você sabe que vai arrasar. A propósito, canta aquela música que você compôs no primeiro ano.
Suspirei. Estava nervosa. No meio daquela multidão, conseguia ouvir meu coração bater.
Subi no pequeno palco, me acomodei no banquinho. Peguei o violão. Respirei fundo. Aceitei o desafio de viver — mesmo que fosse só por uma música.
Peguei o microfone.
— Boa noite. Meu nome é Lily… e vou cantar uma música que eu mesma compus. Espero que gostem..
Testo o violão com algumas notas e começo a melodia suave. A música é lenta e suave, como uma brisa.
Quando o vento tocar de leve o teu rosto,
saiba que eu… ainda estou aqui.
Olho nos teus olhos e vejo suas dúvidas,
te sinto recuar, só me diz por que você faz isso
com o que era tão bonito.
Pode acontecer um milhão de coisas
que te façam desistir… mas quero que saiba, por favor, que ainda estou aqui.
Nunca se esqueça que amar é assim: saber que está feliz
aqui ou longe de mim.
Sei, parece bobo, mas se coloque em meu lugar:
prefiro o teu sorriso do que te ver chorar, mesmo que para isso
faça o meu coração sangrar.
Só me diz por que você faz isso?
Do que tem tanto medo?
Faz parte da vida partir, mas é você quem escolhe se vai ou fica.
O trem da vida está desenfreado.
Não te peço para ficar, porque se ficar,
quero que escolha estar do meu lado.
Não quero te ver infeliz, te quero por inteiro,
sem meias verdades.
Te quero sem dúvidas, sem medo.
Te quero agora, mas se for para ter inteiro,
eu espero a vida toda.
Mas do que tem medo?
Quais são suas dúvidas?
Me deixa entrar na tua vida.
Se me permitir entrar, te mostrarei o lado bom de amar.
Esqueça seus medos,
pelo menos por agora.
Tenha certeza que te amo por nós dois.
Quando termino, o silêncio toma conta do salão como um sopro suspenso no ar. Meus dedos ainda repousam sobre as cordas do violão, e por um instante, o tempo parece hesitar comigo.
Lá no fundo, em um canto meio oculto pela penumbra, está ele — parado, observando. Seus olhos azuis cruzam os meus como um segredo revelado sem palavras. Ele não diz nada. Apenas sorri.
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