Desespero
Não vou fingir que estou feliz por Joe simplesmente me encarar e ir embora como se o lugar estivesse pegando fogo. O jeito abrupto com que se afastou, como se fugir fosse mais fácil do que encarar qualquer coisa, mexeu comigo mais do que gostaria de admitir. Talvez por isso Karen tenha percebido — e, sem me dar chance de esconder, inventou uma desculpa qualquer e saiu. Pouco depois, a vi conversando com ele.
Mesmo de longe, dava para reconhecer sua postura firme, determinada, quase como quem se prepara para uma batalha. Era Karen, sem dúvida. E o modo como ele cruzava os braços e evitava encará-la diretamente denunciava o tom tenso daquela conversa.
A verdade? Detesto quando ela interfere na minha vida assim. Mas esse... é o jeito Karen de dizer que me ama. É assim que ela protege. Com unhas, dentes e palavras afiadas. E naquele instante, ao vê-la ali, em pé, pronta para me defender sem que eu pedisse, percebi que ela é aquele tipo raro de amizade que atravessa o tempo. Aquele tipo que não se desgasta — amadurece. Como um vinho que só melhora com os anos.
Por mais que me irrite quando ela se mete onde não foi chamada, sei que ela sempre esteve e sempre estará ali. Por isso a amo tanto. Porque, no fundo, o mundo é menos assustador quando você tem alguém como ela por perto. Alguém que se recusa a soltar sua mão, mesmo quando você mesma tenta afastá-la.
Mas havia algo mais: Karen sempre protegeu todos... e por muito tempo, ninguém a protegeu. Agora, felizmente, ela tem o Sam.
— Você sabe que não pode culpá-la por tentar te proteger, né? — A voz de Sam ao meu lado me pega de surpresa. Eu havia esquecido que ele estava ali, quieto, acompanhando meu olhar na direção dos dois.
— Sei... — respiro fundo. — Eu a amo por isso. Mas, às vezes, é sufocante quando ela se mete em assuntos que eu poderia resolver.
Ele observa Karen calmamente, pedindo as bebidas, depois olha para o próprio copo. Parece ponderar se deve continuar. E continua:
— Não deu muito certo da última vez que você tentou resolver tudo sozinha, Lilly. Você sabe disso.
Concordo com um gesto pequeno, contido. É difícil admitir, mas ele tem razão. Ainda assim, quero tentar. Quero crescer, lidar com minhas dores, mesmo que aos poucos.
— Eu sei, Sam... mas estou tentando. Não com tudo, mas... tentando.
— Eu entendo. — Sua voz é serena. — Sei bem como é se sentir vulnerável. Eu e a Ka tivemos que lutar contra muita coisa, e ainda lutamos. Sei como é carregar fantasmas que a gente tenta esconder com sorrisos. Por isso, a gente não vai te julgar. Só... não se esconde da Karen. Deixa ela cuidar de você, como sempre fez. É importante pra ela. E sei que, lá no fundo, você sente falta disso também.
Ele me olha como quem realmente entende. E talvez... ele entenda mesmo. Talvez saiba o que é precisar de um abrigo e não ter. E agora eu percebo o quanto estou cansada de afastar quem quer o meu bem.
— Obrigada, Sam. — Meu tom é sincero. — Um dia eu pensei que a Karen merecia alguém melhor... mas hoje vejo que ela encontrou alguém à altura. Ela sempre cuidou de todo mundo, mas ninguém fazia isso por ela. Estou feliz que ela tenha você.
Ele apenas sorri de lado, sem vaidade, como quem compreende o que isso significa.
— Meu amor, achei que você estivesse paquerando o barman. Demorou uma eternidade — diz Karen, voltando à mesa com seu ar teatral.
— Eu até tentei, mas ele não quis me passar o número — responde Sam, com aquele tom despreocupado.
— Quem é esse louco? — Karen finge indignação. — Por que alguém não te daria o número?
— Por isso deixei o meu — ele responde, e os dois caem na risada.
Fico olhando os dois, rindo juntos como se tivessem um universo só deles. E, por um breve instante, sinto uma pontada de inveja. Não da relação, mas do que ela representa: companheirismo, leveza, abrigo. E eu? Eu me sinto como uma estranha sentada à beira do calor deles.
Talvez por isso eu invente uma desculpa qualquer e me afaste. Preciso respirar. Ou talvez apenas precise... encontrar meu próprio lugar.
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