O valor da vida
Quando meus olhos se abrem, percebo que Joe já se banhou e trocou de roupa. Ele está mais belo do que a manhã, e um instinto antigo me assalta: preocupação com minha própria aparência. Mas ele me observa, e um sorriso se abre em seu rosto.
— Está linda.
— Como sabe que era isso que eu estava pensando?
— Eu sei de tudo — ele responde, com aquele sorriso presunçoso que sempre me desarma.
A lembrança de minha mãe inunda meus pensamentos. Não sei se a emoção é alegria ou mágoa. Tanta coisa eu vivi em sua ausência… e, por todo esse tempo, ela estava viva. A médica entra no quarto e confirma: nenhum ferimento físico, apenas o sinal de um choque profundo. Mal posso esperar para voltar para casa e deixar tudo isso para trás.
O Reencontro em Tons de Poesia
Ao deixar o hospital, meus braços buscaram o abraço de meus tios e primos. Estavam todos ali, como um resquício do tempo que eu havia perdido. E então, meus olhos a encontraram. Ela. Minha mãe. Seus cabelos, o mesmo tom dos meus, uma melodia familiar que sempre me habitou. O tempo havia gravado em seu rosto a delicadeza de uma flor que amadurece, sim, mas a beleza que eu guardava na memória pulsava em cada traço, como uma canção que se torna mais profunda com os anos. Era como ver uma pintura amada que ganha novas cores com a luz do sol; mais velha, talvez, mas com uma luminosidade que só a vida pode esculpir. Uma poesia silenciosa se desdobrava naquele reencontro.
— Lys… que bom que você está bem.
— Obrigada.
— Quando estiver pronta, podemos conversar.
— Tudo bem.
Não sei o que sentir. Parte de mim anseia por afastá-la, a outra tenta desesperadamente entender seus motivos. Li seus diários, vi a dor ali, vi escolhas esmagadoras. Mas não quero mergulhar nisso agora. Só quero o refúgio, o lugar onde me sinto segura.
Joe me abraça, um porto em meio à tempestade, e me guia até o carro.
— Tem certeza de que está tudo bem? Quer ficar com seus tios por enquanto?
— Quero silêncio. Pensar um pouco. Me leva pra casa?
— Claro, meu amor. Podemos ir pra minha?
Era exatamente para onde eu queria ir. Não sei se conseguiria suportar a solidão da minha casa agora. Joe segura minha mão, e seguimos em silêncio, um abraço de paz. E eu o amo ainda mais por ele respeitar meu espaço, a quietude que minha alma implora.
Fico pensando onde minha mãe viveu todo esse tempo, como me encontrou. Ainda não estou pronta para essas respostas, para desatar esses nós. Só quero descansar. Quando chegamos, vejo a luz do apartamento acesa. Uma pontada de tensão, mas Joe me envolve em um abraço protetor que dissipa qualquer sombra.
Jimmy está vendo TV com Jane. Mesmo depois de tudo, um sorriso brota em meus lábios. Eles formam um casal bonito, uma imagem de normalidade que acalma.
— Hey, Lys. Que bom te ver. Está tudo bem?
— Sim, obrigada, Jim.
Nos despedimos, e vamos direto para o quarto. Me jogo na cama com um alívio que me faz flutuar.
— Calma aí, mocinha. Pode acabar se machucando.
— Estava com saudade de uma cama de verdade… Fica aqui — pego sua mão e o puxo para deitar comigo. — Não me deixa mais.
— Não deixo. Agora que te tenho, não largo nunca mais.
Ele beija minha testa, um selo em uma promessa silenciosa, e adormecemos juntos, envoltos na segurança de um novo começo.
Acordo com a luz do sol a pintar o quarto e o calor do corpo de Joe em volta do meu, um abraço que afasta qualquer frio. Tento me mexer devagar, mas ele não se move. Não quero acordá-lo, então fico ali, observando-o. O cabelo bagunçado, a expressão tranquila de quem sonha sem pesos. Ele abre os olhos devagar, e um sorriso familiar se acende.
— Oi.
— Oi.
— Tentei sair, mas alguém está me mantendo em cárcere privado.
— Uhum. É para você não fugir de mim nunca mais.
— Acho bom.
Ele sorri de novo, e, por um instante, tudo volta a fazer sentido. As peças se encaixam, o caos se acalma.
Mais tarde, conversamos sobre minha mãe. Joe me encoraja a perdoá-la. Ele está certo. Não posso perder a chance de reconstruir esse vínculo, essa ponte que a vida me trouxe de volta. A vida me deu uma nova oportunidade — seria tolice desperdiçá-la. As coisas poderiam ter terminado de forma trágica, mas estou aqui. E, pela primeira vez em muito tempo, sinto que posso respirar em paz, que o ar é mais leve.
Aos poucos, tento retomar a rotina. Trabalho, casa, a cadência dos dias normais. Joe e eu formamos um par improvável, mas real, palpável. Não somos perfeitos, mas nos ajustamos, como peças que se moldam uma à outra. Aprendemos a lidar com as falhas um do outro, com as sombras e as luzes. E isso, talvez, seja o que torna tudo tão verdadeiro, tão profundamente nosso.
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